domingo, 22 de abril de 2012

O lado dark da minha cidade dos sonhos


Meu encanto e minha sensação de segurança incondicional em Toronto quebrou tal qual o anel de vidro daquela velha cantiga infantil. Sempre tive um lado meio ‘São Tomé’, e só começo a me preocupar com certas coisas quando realmente me sinto atingido por elas. A cidade é, de fato, segura e amigável, mas sempre no meio do trigo há o joio, e o joio anda de bluenight.

Sim, essa é mais uma história sobre um bluenight qualquer, voltando de uma balada qualquer, com um nível de embriaguez levemente excedido numa madrugada fria.

No ponto de ônibus, Daniel e eu. Ele pegando o bluenight pela primeira vez, com um senso de direção totalmente questionável, um iPhone que ele não entende o GPS, me fazendo mil perguntas, e a cada resposta que eu dava ele rebatia com um “Tem certeza, macho?”.

O ponto de ônibus, no cruzamento da Bloor com a Dufferin, estava cheio. Tinha gente de todo tipo, de maconheiro sussa, passando por casal hetero fofo, gringo Português perguntando se estava no caminho certo até uns carinhas mal encarados. O ônibus chega e todos entram.

Não havia lugar para sentar e a lotação estava quase completa. Mal dava para se movimentar. Os carinhas mal encarados ficaram perto da porta frontal, em pé, de frente para um cara gay, já com mais de 40 anos, com uma aparência de cigano, o cabelo grande, enrolado e amarrado, uma calça jeans boca de sino e muitas pulseiras e anéis.

Os dois carinhas não paravam de falar, mas falavam muito rápido, então eu só consegui entender quando um deles olha pro ‘Cigano’ e diz em alto e bom tom “I don’t like fags”. Obviamente o ‘Cigano’ se sentiu ofendido e resmungou, mas uma coisa discreta, que só quem estava prestando atenção percebeu. O que falou a babaquice se alterou, chegou cara a cara com o ‘Cigano’ e disse “What the fuck are you saying?”¸ e o ‘Cigano’ só respondeu algo do tipo “Leave me alone!”.

Não precisou de mais nada. O cara, provavelmente drogado, começou a gritar e falar um monte de coisa que eu não entendi, afinal na escola eles não querem ensinar as ‘bad words’. Quando ‘Cigano’ foi tentar se levantar para sair de perto, porque provavelmente estava com vergonha daquela situação, ele levou o primeiro soco. O primeiro de uma sequência.

Uma das coisas que me chamam atenção durante um evento de stress é como as leis da física são quebradas. Enquanto toda essa situação estava acontecendo, todas as pessoas em pé no ônibus iam andando lentamente para trás, e quando finalmente a agressão aconteceu, todos estavam na parte traseira do veículo, uns por cima dos outros, mais de um corpo ocupando o mesmo espaço.

O babaca deu uma sequência de socos na cara do ‘Cigano’, que não teve a menor chance de reagir, já que estava sentado. O motorista percebeu toda a movimentação, parou o ônibus, e quando ele finalmente abriu a porta, os dois marginais correram. Só então pudemos ver o estrago que foi feito na cara do homem.

Todo o episódio durou menos de 2 minutos. Foi tudo muito rápido e poucas pessoas realmente entenderam o que estava acontecendo.

Outras duas coisas me chamaram atenção. A primeira foi o motorista, que estava preparado para prestar primeiros socorros. No veículo havia um kit básico e ele sabia como usar tudo. A segunda coisa foi que não houve os ‘segundos socorros’, ou seja, ninguém chamou a polícia, ninguém chamou a ambulância e ninguém levou a vítima para o hospital.

Depois de receber os primeiros socorros do motorista, o ‘Cigano’, provavelmente envergonhado, apenas desceu do ônibus de cabeça baixa e seguiu o resto do seu trajeto a pé, com um curativo enorme na testa, o olho direito muito inchado e a roupa toda ensanguentada.

O ônibus foi interditado, os passageiros ficaram na calçada esperando o próximo e eu fiquei em estado de choque, com medo da minha sombra e a pior sensação que alguém pode sentir: A IMPUNIDADE! 


4 comentários:

  1. Meu senso de direção estava ótimo sim viu! Hahaha
    Brincadeira a parte, foi tenso!!!

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  2. Amigo, que situação...
    Mas violência existe em qualquer lugar!
    Imagino toda a situação!
    E se fosse no Brasil? Em Macapá?
    Será que seria tão diferente?

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Me acompanha nessa viagem?