domingo, 8 de abril de 2012

Lero by myself

Ela não parava de me olhar. Era uma senhora de aproximadamente 50 anos, com o cabelo armado, penteado para o lado, loiro escuro com mechas marrons, um par de grandes brincos de pérolas, óculos de grau quase na ponta do nariz, um casaco preto de veludo, um cachecol bonito, calça vermelha e um sapato horroroso, sentada no ônibus, enquanto segurava o jornal na página das palavras cruzadas.

Quando me dei conta de que ela estava me observando, com aqueles olhos castanhos saltando por cima dos óculos, percebi que ela já estava fazendo isso há algum tempo. Sua feição de indagação, com aquela testa franzida, típica de desenhos em quadrinhos, era muito engraçada, mas era muito constrangedora ao mesmo tempo.

O ônibus começou a encher e um garoto, estudante, provavelmente, já que estava de uniforme e uma grande mochila, se posicionou na frente da tal mulher. Sua mochila ficou de uma forma que bloqueou o olhar acusador que estava me incomodando. Até hoje acho que esse garoto era um anjo, já que além de me proteger daqueles olhares, ele bloqueava o sol, que estava na minha cara, com a aba do boné dele.

Quando o garoto finalmente desceu do ônibus, percebi que a senhora já não estava mais lá, e que no lugar, havia uma adolescente com seus 15 anos, no máximo. Era loira, tinha uma franja lisa e o cabelo meio seco. Usava uniforme também, segurava no colo uma mochila da Hello Kitty e estava com um tênis muito legal, que me deu inveja e vontade de perguntar onde eu poderia comprar igual.

Minutos depois de ter começado a fantasiar um possível papo com a garota, percebo que ela começa a me olhar. Um olhar estranho, mas que eu já conhecia. Era uma feição de indagação, com aquela testa franzida, típica de desenhos em quadrinhos. Era engraçada e constrangedora ao mesmo tempo, exatamente igual ao olhar da mulher que a antecedera naquele mesmo lugar.

Nessa hora passei a mão no cabelo, para saber se estava assanhado, passei um lenço no rosto, para limpar qualquer possível mancha de creme dental, assoei o nariz, caso estivesse com alguma meleca pendurada. Estava tudo em perfeito estado, como deveria estar.

Foi nessa hora que me dei conta de que estava, desde que entrei naquele ônibus, ‘levando um lero by myself’ em inglês. E que aqueles olhares, provavelmente, estariam indagando o conteúdo da minha conversa, que estava muito boa, por sinal. Lembrei-me dos meus tempos no Brasil, quando eu estava no lugar da senhorinha e da pirralha, olhando com cara de indagação, com a testa franzida, típica de desenhos em quadrinhos, os outros loucos e totalmente ‘forever alone’ que conversam sozinhos no ônibus. 


3 comentários:

  1. adoro seu blog, voce e muito inteligente!

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  2. Melhor jornalista de toronto!!!
    assinado: descubra se puder!! hahahahah

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    1. Vou preservar sua identidade, mas pela letra, claro que eu sei quem é! :D

      Obrigado pelo carinho!

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