terça-feira, 10 de abril de 2012

O segredo do Russo


Como eu nunca gostei de leite, aquele papo de que ‘nunca fiz amigos bebendo leite’ cabe perfeitamente na minha vida. Minha mãe conta que essa minha aversão começou com o líquido materno, e que eu parei de mamar com nove meses por livre e espontânea vontade. Acho, até hoje, que não cresci o suficiente por causa disso, ou seja, culpa da minha mãe, que aceitou a decisão de um bebê com menos de um ano.

Não acredito, também, que as amizades comecem, ou pelo menos se estruturem, a partir do álcool. Não é minha intensão fazer apologia, mas confesso que a santa bebida etílica proporciona grandes e divertidas histórias, daquelas que passam de geração em geração.

Foi em uma dessas noites em que eu não me encontrava no meu estado mais sóbrio que, voltando para casa de uma balada qualquer, esperando o bluenight, conheci o meu amigo russo que não era russo, e que não podia explicar como isso era possível porque na vida, às vezes, precisamos esconder alguns segredos.

Enquanto esperava o ônibus, às 4h da manhã de um sábado frio, o velho Russo me contava que não podia contar seu segredo, pois ele fazia parte de um programa especial da ONU para vítimas da 2ª Guerra Mundial, que seu pai havia nascido na Polônia, mas também não era polonês e que, na verdade, quem realmente viveu a guerra foi seu avô, e se me contasse mais que isso, teria que me matar.

Ele falou isso com tanta verdade e propriedade, sem gaguejar e nem pausar, que na hora eu puxei o capuz do meu casaco, que cobria minha cabeça, só para olhar bem para a cara dele e marcar aquela face. Sinceramente, eu não sei o que tinha na minha bebida, mas acho que tinha um Google Translator no meio do drink, porque eu entendi tudo com tanta clareza, que cheguei a ficar realmente com medo do pobre velho me matar. Fiquei com tanto medo que deixei transparecer na minha cara. Ele percebeu, caiu na gargalhada e disse que eu não tinha com o que me preocupar.

Durante sua explanação, chegou um terceiro elemento na parada, o que me deu um pouco mais de segurança. Não sei se é normal, mas acho que ter uma terceira pessoa me faz achar que ninguém terá coragem de fazer nada, afinal ninguém quer testemunhas, e se fizer, alguém morrer comigo me deixa mais tranquilo.

O ônibus realmente demorou nesse dia, o que deu oportunidade para o velho puxar um novo assunto: O quanto eu me parecia com um turco. Ele insistia em dizer que meus traços e a forma como me visto era típicas dos turcos, e que eu devia questionar minha mãe sobre a real identidade do meu pai. - Pausa para dizer que eu sou a cara do meu pai. Não há o que questionar. - Não satisfeito, ele resolveu perguntar para o cara ao lado o que ele achava. Sem pestanejar, o cara diz: Está óbvio que ele é latino!

O velho russo não parava de fazer suposições sobre a minha vida. Se na minha bebida tinha uma dose de Google Translator, na que serviram para ele, provavelmente tinha um Grilo Falante. Ele perguntou como estava a minha carreira de ator de teatro no Brasil, se eu tinha gostado da minha última viagem para Londres, porque tinha voltado para Toronto, etc.

Quando finalmente o ônibus passou, eu entrei e ele ficou. Segui o resto do caminho calado, pensando que seria interessante ter uma dupla nacionalidade e que a Turquia seria um país divertido de visitar. 


5 comentários:

  1. Rafa, adoreii!
    É esse tipo de experiencia que eu digo, e reafirmo... eu preciso viver essas doideras!! hahahaha

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    1. Ahhh Ju, é louco mesmo. Recomendo total.
      Junta a grana, arruma a mochila e se joga. Nem olhe pra trás :D

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  2. Pausa para dizer que eu sou a cara do meu pai. Não há o que questionar. k k k Não há o que questionar MESMO , os Guerras são todos a cara de um, focinho do outro. x) ano que vem serei eu, inshalá!

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    1. Próximo ano será vc... e se vc voltar com histórias menos engraçadas que as minhas, te deporto pro Afuá!

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  3. Poxa, a Ana falou o que eu ia falar.

    Ai como eu contribuo.
    SAUHUASHUHAS

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Me acompanha nessa viagem?